Professor na Universidade de Aveiro docente da área da Engenharia Eletrotécnica, Sr. Eng. Raposo, aborda, em entrevista para o Blog da empresa Morgado & Ca., S.A., o tema do mercado da automação e seu enquadramento face à rápida evolução tecnológica.
O mercado de automação está em constante mudança, quais as principais diferenças que mais sentiu nos últimos anos?
A automação tem vindo a evoluir a par das tecnologias de hardware e software e, da mesma forma que na informática novo software requere hardware mais sofisticado e novo hardware permite uma maior sofisticação do software, a automação tem evoluído nestes dois campos para acompanhar as necessidades da indústria mas também tem evoluído como percussor, antecipando necessidades e criando novas oportunidades de evolução e de negócio. Um dos grandes objetivos da automação atual é a interligação entre as máquinas mais simples e os sistemas de gestão e decisão, aproximando a automação das tecnologias de informação e capacitando-a para disponibilizar e processar grandes quantidades de informação.
As comunicações industriais, que antigamente permitiam poupar cablagem e tempo de construção, têm ganho um papel preponderante na troca de informação entre equipamentos e entre diversos níveis de uma instalação e entre várias instalações que podem estar em qualquer ponto do mundo.
Outro aspeto que tem tido uma evolução enorme nos últimos anos e que está a chegar às aplicações industriais mais básicas é a inteligência artificial. Com necessidade de sistemas com grande capacidade de processamento e pensada para aproximar o computador à inteligência humana, utiliza-se hoje em dia em tarefas de automação que requerem grande rapidez de decisão e conhecimento acumulado.
Como grande contributo para a divulgação e evolução da automação industrial e do que ela significa em termos práticos, são sem dúvida os microcontroladores disponibilizados no mercado a baixo custo e com ferramentas de programação simples, tornando-os acessíveis a qualquer pessoa e sendo uma solução amplamente utilizada por centros de ensino de automação e informática.
A Universidade de Aveiro é uma referência no curso de Automação, a que se deve este sucesso?
A Universidade de Aveiro foi desde o início pioneira na escolha das áreas de formação superior, olhando sempre para as necessidades do país e para as lacunas existentes. Todos os cursos de engenharia que criou tiveram sempre a inovação e a empregabilidade como base de preparação.
Desde há mais de duas décadas que a Universidade de Aveiro tem desenvolvido atividade na área da automação industrial, mas o grande salto foi a decisão de incluir formação nesta área na licenciatura em engenharia mecânica. A certeza de que as tecnologias mecânica e de automação estão cada vez mais interligadas e interdependentes levou a criar um curso em que a automação tem disciplinas obrigatórias para que todos os engenheiros mecânicos tenham formação nas áreas essenciais da automação. Esta ligação levou a um enorme reconhecimento por parte da indústria e ao sucesso em termos de empregabilidade e de candidaturas de novos alunos.
Em relação a programação dos Hardwares, os alunos estão a adaptar-se bem às novas tecnologias?
A diversidade de hardware de automação bem como de software, é enorme e a Universidade de Aveiro selecionou hardware com diferentes tecnologias para permitir aos alunos o conhecimento de diferentes opções, filosofias e aplicações. Por exemplo, a nível de autómatos programáveis, os alunos aprendem a filosofia alemã e a japonesa, podendo complementá-la com utilização de microcontroladores e hardware adicional. Para além dos autómatos e interfaces gráficas, têm formação de robótica e sistemas de visão utilizando diversos equipamentos industriais.
Como opções, os alunos têm a possibilidade de aprender e desenvolver circuitos eletrónicos para aplicações de automação como complemento ao hardware disponível nos laboratórios. Eu diria que é impressionante o que os alunos de engenharia mecânica são capazes de utilizar e desenvolver na área da eletrónica.
Com as novas tecnologias, os alunos de Engenharia de Automação necessitam cada vez mais de ter conhecimentos das tecnologias da informação. Hoje há um trabalho dedicado aos alunos para que possam obter conhecimentos também nesta área?
Esta área não foi esquecida e está presente em diversas disciplinas sendo uma delas Informática Industrial. Temos consciência que a evolução tecnológica cria novas necessidades a nível de conhecimentos de informática e por isso está a ser preparada uma adaptação da formação em Automação, com vista a suprir esta necessidade. Não obstante, os alunos têm contacto com programação de computadores, implementação de diversas comunicações entre autómatos e entre computadores e autómatos, utilização de bases de dados locais e na nuvem, gestão da informação e acessos remotos à informação. Algumas disciplinas opcionais e o trabalho de dissertação final poderão alargar muito mais os conhecimentos e implementações nestas áreas.
Acredita que os alunos estão a sair bem preparados das universidades para o mercado de trabalho?
Um curso superior tem como objetivo das ferramentas aos alunos para que se desenvolvam profissionalmente de uma forma rápida. Portugal tem universidades cotadas entre as melhores a nível internacional e não são raros os casos de sucesso dos nossos alunos no estrangeiro ou em empresas multinacionais.
Eu tenho a experiência do contacto com alunos a nível académico e a nível profissional pois sendo professor convidado e trabalhando numa empresa que constrói equipamentos industriais tenho ex-alunos a trabalhar comigo e consigo avaliar a evolução desde que saem da universidade e a aplicabilidade dos novos conhecimentos que trazem para a empresa e o resultado tem sido muito positivo. Pessoas diferentes têm perspetivas e ideias diferentes e em conjunto acrescentam qualidade e criatividade aos projetos.
No contacto que tenho com jovens profissionais de outras empresas apercebo-me que no geral com o apoio adequado evoluem rapidamente e demonstram grande capacidade profissional. Obviamente que não depende apenas da formação académica mas esta é essencial na facilidade e rapidez com que os novos profissionais evoluem.
Hoje muitos alunos que se formam vão trabalhar em empresas em países como Alemanha, Inglaterra e França. Qual a opinião do Sr. Eng. Raposo em relação a isto?
Quando isto acontece por falta de oportunidades em Portugal fico bastante triste, no entanto são bastantes os recém-formados que se candidatam a cargos no estrangeiro por quererem ter esse tipo de experiência, assim como existem empresas estrangeiras a recrutar em Portugal.
Tal como no desporto em que os atletas trocam de clubes e equipas, a passagem por diferentes indústrias sejam elas em Portugal ou no estrangeiro é sempre uma experiência enriquecedora. Quando queremos alargar os nossos horizontes profissionais e pessoais temos que ter abertura para abraçar outros projetos ainda que no estrangeiro.
A Sistecaut é uma empresa que trabalha diversos tipos de projetos na área de automação. Como é que a empresa se prepara para os novos desafios tecnológicos que o mercado exige?
A Sistecaut tem mantido uma equipa de engenharia com um misto de experiência acumulada e de jovens recém-formados. Os técnicos com mais experiência orientam os mais jovens no sentido de os tronarem melhores profissionais transmitindo-lhes conhecimento e as formas de os aplicarem nos projetos. Os técnicos mais jovens trazem conhecimentos de técnicas e tecnologias mais recentes que vão ajudar a equipa e a empresa a evoluir mais rapidamente nas novas tecnologias.
Porque acreditamos que a evolução mais rápida dos jovens e a transmissão do conhecimento é a forma mais rápida de evoluir, procuramos dar-lhes responsabilidades que os motivem e atribuir-lhes tarefas em diversas áreas de cada projeto para que tenham uma visão global e não fiquem apenas concentrados numa parte. A discussão de novas soluções também são desafios discutidos em equipa e todas as contribuições são bem-vindas.
Quais são, a seu ver, as principais mudanças que irão acontecer nos próximos anos no mercado da automação industrial em Portugal?
A evolução da automação industrial não é uma consequência da chamada Indústria 4.0 mas sim o oposto. A evolução tecnológica foi tão grande nas últimas décadas e será ainda maior nas próximas, a ponto de se considerar estarmos na 4ª revolução industrial. A digitalização cada vez maior dos processos é uma consequência dessa evolução assim com o incremento exponencial da quantidade de informação a circular e a processar. Considerar que os robôs vão substituir as pessoas como se nada restasse para as pessoas fazerem é uma ideia demasiado redutora das capacidades do ser humano. Não obstante a existência de uma área da ciência que estuda a forma de colocar uma máquina a pensar e a agir como um ser humano, ainda estamos longe desse objetivo e o que se constata atualmente é que a evolução tecnológica da automação em geral exige técnicos com mais formação para a aplicação destas tecnologias bem como para a sua manutenção. O eletricista de automação de hoje tem que perceber como funciona um autómato e ter noções de programação mínimas. Ao contrário da eletrónica de consumo em que a manutenção passa por substituição de placas e módulos e cada vez menos pela deteção do componente avariado, na automação industrial a substituição de um controlador ou interface implica configuração e programação sendo necessário um conhecimento cada vez maior das tecnologias utilizadas e consequentemente, maior aposta na formação.
A necessidade de cada vez mais automação leva também à necessidade de mais técnicos com formação nesta área. As empresas necessitam de técnicos para desenvolvimento e para manutenção pelo que o futuro passa por uma aposta na formação mais específica em automação industrial desde as escolas e centros de formação até às universidades. Da mesma forma que surgiram os cursos superiores de eletrónica para suprir as lacunas dos cursos de eletrotecnia com alguma abordagem à eletrónica, também estão a surgir cursos de automação industrial para suprir as lacunas dos cursos de engenharia eletrotécnica, mecânica e de computadores com uma abordagem à automação.
Estamos a viver um momento delicado na nossa história com muitos desafios. Como isto tem afetado o mercado de automação industrial?
Em termos de evolução tecnológica, ele continua ao mesmo ritmo, ou seja, a crescer cada ver mais rápido. Isto é comum a muitas ciências em que uma etapa no desenvolvimento encurta o tempo até à etapa seguinte. A 5ª revolução industrial talvez seja quando finalmente as máquinas possam substituir completamente o ser humano, mas muita coisa terá que mudar a nível social e político para que possa existir qualidade de vida global.
Os desafios atuais vão no sentido do incremento do mercado de automação industrial em termos da percentagem de processos automatizados e esta é uma tendência que não tem retorno. Apesar da situação atual de redução do consumo e implicitamente da produção, as empresas continuam empenhadas no objetivo da automatização das tarefas e processos. Tarefas repetitivas executadas por pessoas são uma das maiores causas de acidentes de trabalho e de lesões profissionais. Não se podendo eliminar essas tarefas de um processo, a solução é automatizar. Da mesma forma, tarefas que exijam esforço físico que não seja acessível a qualquer pessoa ou riscos de acidente terão que ser eliminadas ou automatizadas/mecanizadas. As regras da higiene e segurança no trabalho, que evoluem no sentido do nosso bem-estar físico e emocional são também um percussor do aumento da automatização.
Não há bela sem senão. A automação industrial é e será sempre responsabilizada pela perca de postos de trabalho, mas como noutras situações do passado e sempre que se iniciou uma nova revolução industrial, houve mudanças significativas nas sociedades e a necessidade de se reajustarem.
A evolução implica mudanças e adaptação que todos devemos acompanhar sem responsabilizar a automação industrial pela perda de empregos. Devemos questionar-nos ao procurar sempre o produto e o serviço mais barato se não será cada um de nós um pouco responsável pela parte da evolução que nos desagrada.
Fiquem Bem!