Iluminação Sinestésica na Arquitetura
Sistemas de controlo de iluminação arquitetónica sofisticados e intuitivos que possam reproduzir e evocar outros sentidos e emoções.
O conceito de Sinestesia vem do grego SYN (união ou junção) e ESTHESIA (sensação) e significa a relação existente entre planos sensoriais diferentes: por exemplo, o gosto associado ao cheiro ou a visão associada ao tato.
No contexto arquitetónico, este conceito serve como princípio conceptual para a criação de um modelo de síntese sensorial e cognitiva, com vista à criação de espaços que relacionem o indivíduo com os ambientes que o rodeiam, da forma mais próxima e íntima. A memória da vivência e da interação com os espaços representa um papel fundamental na forma como o indivíduo influencia e é influenciado pelo meio que habita.
Esta aproximação entre os sentidos, a perceção sensorial e a arquitetura, deve-se fundamentalmente à modelação dos espaços pela luz, cor e matéria.
Num artigo originalmente publicado na Architect, a arquiteta e designer Cristina Parreño Alonso menciona que “(…) as tecnologias de luz sinestésica devem ter o maior impacto no design da iluminação arquitetónica e na experiência do utilizador. Ao converter uma sensação inicial (visão) num outro tipo de sensação - "cheirar" ou "tocar a luz" - as tecnologias de luz sinestésica na arquitetura contribuem para tomarmos consciência de sensações que estavam enraizadas no inconsciente do nosso sistema cognitivo (…)”.
Para tal, reforça esta ideia citando o cientista cognitivo Heinz von Förster no seu ensaio de 1973 "Construindo uma Realidade":
"(…) “lá fora" não há luz nem cor, apenas ondas eletromagnéticas. Em vez de transmitir luz, som, toque, paladar e olfato para o cérebro, os nossos nervos são estimulados por variações energéticas de agentes externos, que depois se traduzem em impulsos. Através de experiências, Förster ilustra como o nosso cérebro pode obter informações incompletas do mundo exterior e torná-las completas, ou seja, podemos percecionar coisas que não existem e contudo não conseguimos perceber coisas que existem (…)”.
Para mim, enquanto viajante e fotógrafo, a luz e a iluminação dos espaços e ambientes sempre foram motivo de fascínio e por isso gostaria de partilhar a seguinte história convosco:
Há já muitos anos, numa viagem que fiz à Normandia e à Bretanha, tive a oportunidade de visitar o Mont Saint Michel e a sua majestosa abadia, algo que se revelou único e memorável, uma das primeiras e mais intensas experiência sinestésicas da minha vida.
Para além da beleza e imponência desta ilha fortaleza, mandada construir no século XII como ponto de reunião dos Cruzados rumo à Terra Santa, o que mais me marcou não foram tanto as suas lindíssimas ruas e vielas labirínticas ou o notável complexo abacial, histórico e arquitetónico, mas sim o que vi e senti na visita à sua abadia.
Com efeito e após uma experiência gastronómica recomendada como típica do local, mas de qualidade bastante duvidosa, a noite parecia cada vez mais comprometida e condenada com a chegada de uma forte tempestade vinda do Canal da Mancha. Chuva, vento e frio… A solução veio sob a forma de visita inesperada (paga) à abadia. As expectativas eram já baixas e a ideia de passar o serão a admirar relicários e estatuária religiosa não me era de todo fascinante.
E foi assim que, contrariado, iniciei aquela que viria a revelar-se uma jornada sensorial única.
Caminhando na penumbra entre muros escuros e paredes de rocha fria e húmida, o vento sobre as gárgulas medievais uivava e anunciava a tormenta vinda do Canal já sob a forma de relâmpagos e de trovões. Pequenos apontamentos de luz quase invisíveis, despontavam timidamente entre as pedras e, ao som do gotejar da chuva, indicavam não o sentido da visita, mas sim o “caminho” redentor da descoberta.
É neste trajeto tornado místico, sem quaisquer imagens, objetos decorativos ou referências visuais, que me deixo conduzir pelos meus sentidos, até me ver chegado a um espaço despojado, de onde emana um cheiro de forno a lenha e a farinha, o Refeitório. Este cenário é caracterizado apenas por uma estreita e comprida mesa de madeira, sobre a qual está colocada ao centro uma enorme broa redonda. O ambiente é iluminado por um único feixe luz concêntrico, que incide diretamente sobre o pão, tornando-o o símbolo e elemento principal de destaque de toda a cenografia. Torna-se evidente a alusão ao Corpo de Cristo.
Sempre guiado por sons, cheiros e alguma luz ténue, a experiência contínua através do soberbo Claustro, o Scriptorium até alcançar finalmente a gigantesca nave da abadia.
Neste amplo espaço redondo não existe nada mais do que altas paredes de pedra, iluminadas com uma ténue luz quente e rasante que realça a textura e a essência do monumento construído a partir da rocha. Em fundo é possível ouvir ao longe, de uma forma quase inaudível, os cânticos dos monges e sentir um leve perfume de mirra e incenso.
O momento apoteótico desta grandiosa mise en scène sinestésica está guardado para uma instalação situada no centro da nave central. Aí, sobre um plano inclinado, estão colocados os paramentos sacerdotais de um cruzado, abertos em forma de cruz. O branco alvo das vestes é moldado e relevado através da iluminação de um potente e fino feixe de luz, projetado a partir do topo da abadia, fazendo com que pareça que flutua diante de nós.
Através “daquela iluminação”, essa experiência tornada memória sinestésica, remete-me sempre e invariavelmente, de forma imediata, para os vários ambientes sensoriais vividos.
Num futuro próximo, o grande desafio da indústria será precisamente o de conseguir desenvolver soluções tecnologicamente mais económicas e sustentáveis, numa escala de oferta tendencialmente individual “one to one”, que permitam recriar ambientes cada vez mais sensoriais e cognitivos.
Isto irá permitir que cada um de nós, individualmente, possa passar a criar o seu próprio tipo de luz, em função do seu desejo ou estado de espírito e a poder replicá-la em qualquer outro espaço que esteja tecnicamente preparado para o reproduzir. Desta forma, a iluminação deixará de ser apenas suporte visual para se tornar matéria mais sensorial e cognitiva, capaz de recriar, transmitir e manipular outros sentidos.
Assim que esta tecnologia estiver disponível e ao alcance de todos, não será de estranhar o aproveitamento comercial e de marketing que a mesma virá a ter por parte das grandes marcas mundiais, através de campanhas que promovam a recriação de experiências temáticas associadas ao “momento” do consumo dos produtos, contribuindo dessa forma para o reforço e perpetuação da relação de fidelidade do cliente à marca.
Como exemplo imaginem os seguintes cenários:
uma determinada marca de café propõe-nos, de acordo com o tipo de lote que escolhemos, consumi-lo num determinado cenário associado a um local ou época distinta, bastando para o efeito apenas descarregar uma app móvel, ou leitura de um QR code, para podermos reproduzir de imediato em nossa casa a iluminação desse ambiente. Por exemplo, um cimbalino / café no MAJESTIC ou uma bica na BRASILEIRA;
ou comprarmos uma torta de chocolate na área de congelados de um qualquer supermercado e, da mesma forma, podermos saboreá-la na nossa cozinha como uma “Sachertorte" da Pastelaria Demels em Viena de Áustria;
ou transformar a nossa sala de estar no Scala de Milão enquanto ouvimos ou assistimos a um concerto;
E porque não voltar ao Mont Saint Michel e experimentar esse magnifico espetáculo sinestésico… mas uma coisa desde já vos aconselho, a famosa omelete da Mère Poulard não vale de todo a pena repetir…
Na Morgado & Ca / Performance In Lighting Portugal aceitámos esse desafio tecnológico e já iniciámos o processo de tornar a iluminação matéria cada vez mais sensorial e cognitiva, através de:
Sistemas de controlo e gestão de iluminação (WAGO) e domótica (VIMAR);
Luminárias capazes de alterar o tipo de fluxo luminoso e a sua temperatura de cor (BEGHELLI / ELPLAST).
Fiquem bem e sintam a luz!
João Alexandre Pereira